25 September 2009

preciosa iguaria

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Estava sentado no chão, de costas encostadas ao sofá, sozinho. Luz do tecto apagada. Só a televisão com os seus ruídos e luminosidade. A casa vazia. Lá fora ouvia gritos. Um estádio (da luz) a rebentar pelas costuras. E um miudo pára a olhar para a bola que tapava o pequeno circulo da marca de penalti, enquanto olhava para o lado esquerdo, meio nervoso, não mais que meio segundo. Naquele momento só pensava nas fotos dele e de outros tantos miúdos. E marcou. E chorou e fez milhares chorarem e gritarem.
A seguir fui para a rua, enfrentar os outros – que estavam como eu. Portugal era campeão do mundo e tínhamos os melhores miúdos do mundo. Alguma sorte sorte. E o sr. Carlos tinha-os preparado durante anos. E a sorte continuou. O sr. Rui, príncipe, rei e maestro, tornou-se num dos grandes solistas del mundo, tocava a bola como quem coloca um pedaço de erva doce por cima do requeijão, no prato desenhado à medida da imaginação. O sr. Paulo, bailarino de profissão, saltava entre Itália e Alemanha para recuperar A taça. E sempre de espátula de silicone para cobrir com claras semi-tostadas todos os doces de relva em que tocava. O sr. Luis, brutal companheiro catalão, voltou lá para setenta mil apitos lhe atirarem com uma cabeça de porco, no forno, acompanhadas a batata a murro. O Sr. João, frágil miúdo – com os seus saltos de carpa, massajado a alho e salsa, para chegar à bola e a empurrar para o fundo das redes - tornou-se a bandeira do clube mais querido e mais maltratado durante quinze anos.
E quando no minuto 86 um estádio, uma equipa de arbitragem, jogadores adversários, milhões de sortudos que assistiam pela televisão, pararam para chorar e agradecer, como quem sabe que aquela degustação não se irá repetir - já sabiam, simultaneamente, que a riqueza não iria desaparecer, que não iria parar de correr. Só trocaria de posto. E é nesse lugar que o Sr. Rui nos está a fazer, a todos, o favor de devolver a quem de direito a sua grandeza. E se faz favor, não o deixem bater com a porta e chamem por aqueles que tratavam a bola como Adriá pensa o micro cosmos do prato; ou que sentem o campo como Suaudeau desbrava o que a natureza lhe oferece e a transforma em duas horas de sabedor prazer. O sr. Rui, mas também o sr. Luís, o sr. Paulo, o sr. João, o sr. Vítor, o sr. Fernando. Todos eles. Por favor, não nos comam os fetos.
Por esta entrada deliciosa, agradeço. E que mais vinte e tal bulliadas ai venham. Até que a memória seja reposta sobre a mesa.
reconhecem-no, com o carimbo da colgate por cima, ai para os 2 min? :) link