25 October 2009

folhas de papel


E se um dia, um qualquer, não interessa qual, Palahniuk deixasse de escrever. Simplesmente deixasse de escrever. “Olha, já não me apetece”. Como quem decide deixar de fumar naquele preciso instante. E deitar tudo fora, folhas cheias de rascunhos, ideias soltas, umas outras já bem acabadas, outras mais revistas que outras. Nalgumas, simples despojos do dia.
E vamos imaginar que um grande mólho de folhas – vamos dizer, vá, sete mil folhas de coisas anotadas pelo mestre Chuck – ia direitinho ao caixote do lixo, assim com um atilho mal amanhado a amarrar aquilo tudo. Além das coisas que as editoras tinham por ai distribuido ou nos seus escritórios, mais nada existia além daquele mólho de folhas (e aqui vamos imaginar romanticamente que o Pala não tinha cópias no computador nem back-ups em qualquer lado). Somente aquelas impressões, exemplares unicos.
E lá ia o mólho de sete mil folhas (mais coisa menos coisa), direitinhas atiradas do terceiro andar, cair mesmo ao lado do caixote do lixo do prédio.
Continuamos a imaginar que um gajo qualquer, também não interessa quem, passava ali e “oh, que belo mólho de folhas, mesmo o que eu preciso”. Agarrava naquilo e lá levava as sete mil folhas (mais coisa menos coisa), como quem leva uma cadeira ou um sofá deixado ao abandono - que com uma limpeza ou toquezinho com o martelo até fica bem junto a uma mesa improvisada e pintada de roxo que lá se tem na sala. E lá vai o homem (o gajo – mas também podia ser uma gaja) com as sete mil folhas (mais coisa menos coisa) para casa.
Ao chegar a casa, nós apercebemo-nos que o homem até nem sabe ler – deixamos a explicação do porquê de não saber ler para outra altura, se alguém se debruçar sobre o passado deste homem incógnito. “Não sabe ler, mas não é parvo” - embora alguns (não muitos) de vez em quando o digam, quem mais o faz, sem sombra de dúvida, é a mãe. Bem, o homem (o tal gajo) lá colocou as sete mil folhas no sofá (aquele que ficava bem junto a uma mesa improvisada, roxa).
Continuamos a imaginar pois, e o homem estava a pintar uma das divisões – por sinal uma que somente tinha uma pequena janela (digamos com vinte por trinta centimetros) e que dava para um páteo fechado. Óbviamente que aquela divisão teria que ser (ou não, vai-se lá saber) uma espécie de arrumos. E quando se fala de arrumos, estamos simplesmente a falar de um buraco onde toda a cangalhada é atirada ao monte (e quem chorou ao ver Wall-e, deve ficar tão irritado com isto, como quando se vê um cão na rua a morrer de sede com a longa língua de fora a tocar o chão). E como a casa era um pouco humida, o homem (o gajo) decidiu (toda a gente ficou a pensar porque é que ele se tinha lembrado daquilo) cobrir toda a parede de folhas (também podia ser coberta por jornais, mas como “encontrei isto mesmo ali à mão, uso já isto”). E lá cobriu as quatro paredes da divisão, que seria eventualmente usada no futuro como arrumos, com folhas. Aquelas ultimas do Palahniuk. E lá cobriu. Com cola, forte. “E depois como é que tiras isso tudo, quando for para pintar de novo, sei lá, para o ano?”. “Cale-se e vá para a cozinha, não me chateie os cornos. Sempre a mesma merda”. E lá cobriu. Mas como não gostava de ver aquilo assim. “Modernaço demais”, decidiu pintar por cima. Escolheu uma de amarelo ovo, ou qualquer coisa parecido. Duas camadas. Não chega. Três. Ficou bom. Claro que a dimensão dos arrumos tinha diminuido ligeiramente, com as camadas de tinta e a cobertura de folhas do Pala. Não que estas fossem mais grossas que umas outras quaisquer, mas tudo junto ainda faziam um altinho de um cêntimetro e meio, ou assim.
E continuando a imaginar, viamos aquela sala de arrumos, dali a três semanas, já arrumada. Ou seja, cangalhada a tapar as paredes e o tecto, a cobrir o chão. “Aqui não se encontra nada”. Pois não. “E daquelas folhas que encontraste no lixo, não sobrou nada? Queria guardar aqui uns pratos e essas folhas eram boas para os cobrir, não se vão eles partir no meio dessa porra toda.”
...
(será que tem continuação?)

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