24 July 2011

Amigo, Não Vás Por aí, Porque se Fores Por aí, Vais Sozinho

Recordo-me de um bar ridiculamente pequeno em que se ouvia Pixies e The Cure. Nós, os mais pequenos insistíamos - sem sucesso - que o dj de serviço corresse um cd de Napalm Death ou Einstürzende Neubauten, enquanto os maiores dançavam para a frente e para trás, a abanar ligeiramente a cabeça para baixo, ao som de Sisters of Mercy. Achávamos aquela espécie de oásis fantástico. Ansiávamos por abordagens de que ouvíamos falar ou que nos chegavam numa cassete vídeo mal gravada.

Com o passar do tempo, foram-se multiplicando as ofertas e os interesses e as preocupações (culturais, artisticas, ...). Vem-me à memória uma das primeiras propostas "fora da caixa" que existiram em Évora, na qual tive a fortuna de participar (curiosamente o espectáculo chamava-se, precisamente, A Caixa:) e que fazia parte do programa Off do Festival Viva A Rua (programa esse que procurava explorar linguagens e abordagens alternativas ao que era comummente apresentado).

Os cursos artísticos foram surgindo, promovendo, ao longo dos anos, um tecido criativo crescente e, de certa forma, qualificado, que se juntou aos vários grupos e associações (nas várias abrangências culturais), mas também aos poucos projectos profissionais locais (essencialmente na área do teatro e da dança). E o facto é que actualmente existem dezenas de projectos, mais ou menos consistentes, uns firmados, outros emergentes, nos variadíssimos olhares sobre a criação artística. Hoje podemos facilmente identificar uma manta concreta, diversa e promissora nesta localidade.

Todos aqueles que sonharam um dia conseguir viver (e quando escrevo viver é isso mesmo que quero escrever: comer, dormir, sonhar) desta aparente ilusão, que é a criação artística, sentem que tudo isto podia ser melhor, especialmente aqui em Évora, onde por vezes é mais corajoso ficar e insistir, do que tentar a sorte noutro lado qualquer.

Olhando aos indicadores, esta cidade tem tudo para ser um desses lugares cheios de artistas, entidades criadoras e promotoras, gente que passa e olha, que dança e vê, que chora e também sonha (assemelhando-se mais aos seus vídeos institucionais: um paraiso histórico, bem preservado e pujante).

Nas últimas semanas o movimento "a Cultura está viva e manifesta-se na rua" criou impacto, procurando dinamizar o gesto de cidadania talvez mais importante que existe: o diálogo, a discussão. Pretende-se que seja possível promover uma amena colaboração com a edilidade, prolongando-a para esse constante diálogo com a comunidade. Que se trabalhe para que, com o tempo, algumas muralhas e muros possam ser derrubados. E é com esta noção de que existe, já, um público variado, interessado e mobilizado(r) em Évora, que este movimento se tem reunido diáriamente, unindo-se e fazendo-se ouvir para que esta cidade consiga espreitar cada vez mais, um pouco além das várias muralhas que a circundam.

in Jornal Registo de 21 de Julho de 2011