As mentiras são universais – e não apenas neste país. Basta ver qualquer telejornal e rápidamente encontramos os copy-paste dos políticos de (quase) qualquer país. A indecisão fica entre pegar, também, em armas (e merecidamente atirar, a fazer doer, em mafiosos fardados – a farda política é uma das mais cinzentas que há, não é? – ou em forças polícias; todos eles fazendo lembrar zombies coordenados) ou tomar uma iniciativa que reme no sentido oposto, recusando o caminho da agressão, que lhes dá primazia. Mostrar, cara a cara, que são gente enganada como os demais. Dar uma lambada de luva branca, seja em jeito de brincadeira (dissimulando um acampamento fugídio, como fizeram os nossos amigos australianos), seja recorrendo à natural ternura (que só as bestas fingem recusar) como fizeram os manifestantes (contra a ganância, a mentira e a corrupção) na Colômbia.
Será que uma epidemia destas tenderá, alguma vez, a abrandar? Será que a infestação zombie, controlados físicamente pelo cérebro morto-vivo (aliás, o único modo clássico de eliminação é literalmente um tiro no meio dos cornos, como se sabe), despertará um dia as gentes para um novo estado, para um novo despertar?
Isto é o que procura Rick Grimes e a tribo que o acompanha. Como em qualquer fantasia pós-apocalíptica há sempre uma solução e um lugar que se julga ser diferente para melhor. Sonha-se, também, por uma vacina que possa eliminar ou reduzir a epidemia. E normalmente a vacina mais eficiente é a vontade.
"The Walking Dead" foi uma das séries que me deixou, recentemente, mais ansioso pelo episódio seguinte. Julgo que já não tinha essa sensação desde as transmissões de "Lost". A série realizada por Frank Darabont (recorrente em explorar as histórias de Stephen King em cinema) deixa-se imbuir do ambiente visual e narrativo da banda desenhada que lhe deu origem: a série homónima de Robert Kirkman e Tony Moore. O truque de deixar ansioso o espectador (imitando a técnica gulosa da última vinheta no canto inferior direito da página) mantém-se durante as duas temporadas, conseguindo jogar eficazmente com o elemento mais banal, mas simultaneamente mais genial do horror: sabes o que vai acontecer, sabes quando vai acontecer, sabes como vai acontecer. A emoção sobrepôe-se à razão (essa madastra que não consente a ideia repetida e maltrada o lugar comum) e deixas-te enganar com um suspiro afectivo. Um exemplo perfeito disto é a última cena do último episódio da segunda temporada: depois do tiroteio devastador, no qual todos os zombies presos no celeiro da quinta são eliminados, sabemos que ainda falta alguém e sabemos quem será esse alguém. Sabemos que é a jovem desaparecida Sophia. Mas mesmo assim, levamo-nos a enganar. Os zombies sabem, sempre, enganar-nos.
Quem frequentemente comparava a polícia, aquela das manifestações, com um grupo de zombies, era o Zé Rui: dizia que só queriam uma coisa, carne humana. Contudo o que conseguimos encontrar nos webisodes "Torn Apart" (uma pequena história paralela de "The Walking Dead", em jeito de spin-off, mas que nunca chega a ser porque a rapariga – Hannah ou The Bycicle Girl - deixa-se morrer para que os filhos sobrevivam) traz-nos um efeito de aproximação e deixa-nos abalados com a gratuidade da violência de certos agentes da ordem (momentânea e temporáriamente auto-considerados heróis) durante protestos a delinquentes. É um pouco como o anúncio àquele programa de televisão: às vezes, mudar de lado não faria mal a ninguém. Podia ser o suficiente para ver que o verdadeiro mal tem, muitas vezes, origem numa terceira fonte.
Post-scriptum: parece que vem aí e já tem dia marcado – dia 14 de Fevereiro, repetindo no dia seguinte, a 15. Julgo que é à noite.
------------------------
FACTOR MEDO: O MEU MUSEU IMAGINÁRIO
inscrito no projecto "Guerras/Crises" (guerrascrises.blogspot.com)
Miguel de Matos Valério (coisasdocorpo/ ExQuorum)